
Se estivesse vivo teria câimbras. Poderia sentir membros formigando pesados. Circulação presa. Não posso olhar sequer meus dedos dos pés na posição que me encontro. Estava irritado à uma hora daquelas.
Que sufoco! Colocaram algodão no nariz, boca e sabe Deus onde mais! Ainda não sinto outro lugar incomodando, porém algodão no nariz é sufocante. É, eu sei que já não respiro, mesmo assim é horrível.
É possível rir num velório? Descobri que sim. Só não sabia que ririam tanto justamente no meu! Logo Ernesto? Era sim a risada de meu irmão que ouvia. Do que ria tanto? Como sou curioso!... E nem erguer a cabeça para espiar eu podia! E pensar que disse a vocês que ele era sensato... Traidor!
Fabrício acabara de chegar com Juliana e o pestinha. Era dele mesmo que Ernesto ria. Acreditem vocês que o menino se recusou entrar no velório só porque eu disse que apareceria para puxar seu pé quando morresse. Binho agarrou-se à Cecília e juntos voltaram-se para o caixão. “Mano velho, tu vai fazer falta, cara!”
Eu perguntei se poderia dormir de novo e não ter que presenciar essas cenas, mas provavelmente fazia parte da minha sina ver tudo isso.
“Tio Maurício tá esquisito, mãe!”
Realmente, caros companheiros de horas mortas, claro que é possível rir muito num velório. Descuidaram do pestinha do meu sobrinho e ele arrancou os chumaços de algodão do meu nariz. O garoto tem 7 anos! Ninguém disse a ele que eu estava morto e não era bonito mexer no defunto?!
A explicação do Seu Pacheco, amigo de mamãe, foi fantástica: “O algodão está ali para ele não sentir o cheiro das flores.”
Isso. Curto e grosso.
Só mais uma pergunta: as pessoas pensam que é servido almoço em velórios? Já repararam que nessa hora o local fica tomado?
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