14 setembro 2007

O anjo

Resolvi quebrar o silêncio após a terceira chamada.
Olhei para os lados na escuridão do caixão. Interessante... Da última vez que fiz isso ainda havia um pouco de iluminação, mas talvez devido à adaptação das minhas pupilas. Com os mortos é diferente. Pelo menos foi o que pensei.
“Como faço para sair daqui?” Era a minha pergunta insistente.
Foi então que tive uma agradável surpresa. Eu já podia mover o meu corpo! Bati devagar nas laterais do caixão. Ecoou como um surdo de escola de samba. Tentei encolher as pernas e, vejam só, pude trazer os joelhos no queixo.
Espere um pouco!
Eu podia colocar os joelhos no queixo? Com qual espaço?
Tentei levantar os braços e também pude espichá-los com bastante folga. Onde estava o caixão?
“Saia, Maurício!”
Aquela voz de novo. Criei um pouco de coragem levado pela adrenalina de poder espreguiçar-me. Voltei àquela voz com outra pergunta: “Como faço para sair daqui?”
“Levante-se.”
Que resposta cretina! Eu sou um novo morto, não sei como funcionam as coisas por aqui, então seria o mínimo de educação alguém experiente orientar-me e não vir com essas respostas que parecem ser simples, mas realmente são ridículas.
Eu obedeci. Tomei mais um pouco de coragem e sentei-me, em seguida pus-me de pé. O clarão do dia dos vivos me deixou cego por instantes. Cocei os olhos e procurei em volta pelo dono da voz que estava chamando por mim.
Ele estava ali, parado em frente ao meu túmulo. Asas muito brancas e gigantes. Ao movimento que fazia elas mudavam a cor de seu brilho à luz do sol. Vestia uma túnica bege. Parecia juta ou algo parecido. A veste comprida deixava à mostra somente as pontas dos pés. Tinha um cabelo muito preto que reluzia quase em um azul profundo. Olhos vibrantes, também negros. Um sorriso quase imperceptível.
“Quem é você?” Perguntei intrigado e quase em posição de defesa, já que estava de punhos serrados, corpo um pouco curvado, pernas entreabertas.
“Sou seu anjo da guarda!

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