14 setembro 2007

Tanatologia

Sentei-me no primeiro túmulo que vi.
O anjo seguiu-me e fez o mesmo. Cruzou os braços, ajeitou-se e deu início a um relato que jamais me esqueci.

“Bem, primeiro você perdeu a consciência e depois toda a sua sensibilidade. Foi perdendo o tônus muscular; um relaxamento total... eliminou fezes e urina, seu maxilar caiu e suas pupilas dilataram... O aspecto não era dos melhores!... Aconteceu o que chamam de ‘midríase’. Todos os seus aparelhos pararam de funcionar, no outro mundo os médicos chamam de parada cárdio-respiratória! Que palavras estranhas!... Aqui nós dizemos que houve silêncio absoluto da carne... É mais poético!... Mas, enfim, você começou a ficar gelado, depois de mais ou menos três horas adquiriu rigidez cadavérica, sua barriga foi ficando verde e... depois de mais ou menos umas dezoito horas começou o processo de putrefação soltando gases e tudo mais... Sua pele foi ficando como um pergaminho, acredita?!... Como os papiros antigos! Claro que foi a desidratação que fez isso. E você também foi perdendo peso – no seu caso não foi tão difícil, já estava tão magrinho!... Mas o certo que você está dessecando rápido, rapaz!... Agora mesmo, já fazem uns três meses?!... Quase isso!... Pois é, é nessa fase em que você está que a putrefação começa a ficar liquefeita, chamam de ‘coliquativo’. Daí suas vísceras e seus tecidos mais moles já eram!... Desidrata e enruga depressa!”

O que vocês fariam diante disso, amigos vivos?
Vomitariam ou diriam – “Puxa vida, isso tudo aconteceu por quase três meses?” – Onde eu estava que não vi nada disso acontecer? E por que depois de sair da cova não pude voltar lá para ver se eu estava virando um monte de tripa podre?
Aquela figura tagarela de senso de humor que faz inveja à Lúcifer levantou-se antes que eu pudesse pensar em outra pergunta.
“Então, o que está achando da nova condição de morto?”
Caros leitores que respiram o puro ar da Terra, será mesmo que passaria meus dias ouvindo coisas absurdas desse tipo?
A única resposta que consegui proferir não expressou nem 1/3 do que estava sentindo.

“Estou impressionado!...”

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