21 junho 2007

Ainda pela manhã

Estranha a sensação de estar morto e não poder mover um único músculo.
Se estivesse vivo teria câimbras. Poderia sentir membros formigando pesados. Circulação presa. Não posso olhar sequer meus dedos dos pés na posição que me encontro. Estava irritado à uma hora daquelas.
Que sufoco! Colocaram algodão no nariz, boca e sabe Deus onde mais! Ainda não sinto outro lugar incomodando, porém algodão no nariz é sufocante. É, eu sei que já não respiro, mesmo assim é horrível.
É possível rir num velório? Descobri que sim. Só não sabia que ririam tanto justamente no meu! Logo Ernesto? Era sim a risada de meu irmão que ouvia. Do que ria tanto? Como sou curioso!... E nem erguer a cabeça para espiar eu podia! E pensar que disse a vocês que ele era sensato... Traidor!
Fabrício acabara de chegar com Juliana e o pestinha. Era dele mesmo que Ernesto ria. Acreditem vocês que o menino se recusou entrar no velório só porque eu disse que apareceria para puxar seu pé quando morresse. Binho agarrou-se à Cecília e juntos voltaram-se para o caixão. “Mano velho, tu vai fazer falta, cara!”
Eu perguntei se poderia dormir de novo e não ter que presenciar essas cenas, mas provavelmente fazia parte da minha sina ver tudo isso.
“Tio Maurício tá esquisito, mãe!”
Realmente, caros companheiros de horas mortas, claro que é possível rir muito num velório. Descuidaram do pestinha do meu sobrinho e ele arrancou os chumaços de algodão do meu nariz. O garoto tem 7 anos! Ninguém disse a ele que eu estava morto e não era bonito mexer no defunto?!
A explicação do Seu Pacheco, amigo de mamãe, foi fantástica: “O algodão está ali para ele não sentir o cheiro das flores.”
Isso. Curto e grosso.
Só mais uma pergunta: as pessoas pensam que é servido almoço em velórios? Já repararam que nessa hora o local fica tomado?

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