21 junho 2007

Hora do Almoço

O fato de estar morto começava a me incomodar. Limitações.
Gosto de dormir de bruços e mesmo quando estamos no inverno eu dispenso muitas roupas. Enfiaram-me um terno justo, desses que não servem mais e na primeira oportunidade se livram dele! Os mais novos seriam distribuídos na póstuma partilha.
Dizem que depois de velho ficamos rabugentos; depois da morte estou descobrindo a implicância adormecida em mim.
Primos. Tios esquecidos. Uns amigos de infância. Outros que vieram lá do trabalho para me ver. A família de Cecília. Carol esteve ali junto com Beatriz.
O cômico foi ouvir frases e comentários peculiares de quem observa um morto, no caso, eu.
“Mas ele está muito bonito!” É ridículo, mas tem gente que comenta isso à beira da urna...
“Acabou de sair um café quentinho lá na cozinha!” Claro que sai quente, é feito no fogo...
“A viúva está tão acabada. Já, já arruma outro!” Línguas malditas...
“A sogra não veio. Eles não se davam bem.” Minha sogra já morreu...
“Nossa, o irmão dele nem entrou aqui. Será que era contagioso?” Não. O que eu tinha não era contagioso.
“Dizem que a família gastou tudo com o coitado.” Quando descobrimos o que eu tinha não dava tempo de gastar com quase nada.
“Foi bebida?” Não. Eu bebi muito quando era jovem e usei drogas também, mas não foi isso que causou minha enfermidade.
E por aí foi correndo o dia.
Impressionante como a imaginação das pessoas vai além.

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