12 junho 2007

O Início

Eu já não tinha muitas esperanças e nem expectativas para viver um longo tempo desde quando descobri que a morte era certamente inevitável. As pessoas ao meu redor padeceram mais do que eu e nem por isso tive aquela súbita força para resistir. O médico chegou com seu altivo laudo cheio de expressões nem um pouco agradáveis, mas, "vamos lá", eu pensei, "o que poderia ser mais grotesco?" Foram exatos 60 dias para esperar a mensageira das trevas e, humanamente falando, 60 dias para gritar por misericórdia para quem fosse necessário. Das duas opções eu preferi a primeira. Claro! Talvez a morte não seria tão ruim quanto as pessoas imaginam.
A minha única objeção quanto a essa situação seria o porquê de ser agora, justamente no inverno? Tudo é mais difícil no inverno: tomar banho, trabalhar, divertir e até morrer. No verão seria mais fácil, eu apenas teria que esperar nu debaixo dos lençóis com um ventilador velho voltado para a cama. Só um pormenor me deixou mais tranqüilo: tantas pessoas no quarto a espera de meu último suspiro iriam encalorar o ambiente, já no inverno isso seria uma vantagem. E foi mesmo!
No princípio tudo foi de um humor macabro, me divertia com as pessoas vindo me visitar e me dizerem palavras de força, coragem, esperança. Fui alvo de atenções e paparicos que nem quando tinha 5 anos de idade eu pude desfrutar. Meus filhos conseguiram enxergar o pai, minha esposa foi piamente fervorosa até o fim, meus irmãos e suas famílias vez ou outra davam o ar da sua presença e minha santa mãe esteve ali sempre orante: "Deus vai olhar por você, meu filho!"
E eu gostaria que olhasse mesmo! Dizem que o céu é o paraíso. Eu queria banho quente, cama macia e um café da manhã completo quando me levassem para lá. Depois gostaria que meu anjo da guarda explicasse porque foi tão ausente na sua missão. Isso mesmo! Ele vacilou em vários momentos, eu aguardaria seu relatório ansiosamente.
Pois bem, eis a minha visão do tempo que restava ao meu frágil corpo, mas eu não tinha imaginado que esse corpo seria tão cruel com a minha essência.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vc tem família, cadáver?

O Cadáver disse...

Tenho, Andressa. Em breve estarei falando dela.

Obrigado por acessar!