15 junho 2007

A Partida

Falar da minha partida deste para outro mundo ainda é difícil, pois, não consigo ordenar as lembranças. Foi tudo muito conturbado. Só posso garantir: sabemos perfeitamente quando a hora chega; tudo vai ficando claro na nossa mente e já não nos sentimos pesados pelo fardo da carne.
E ninguém pode me contestar por isso. Nem padre, nem pastor, nem quem freqüenta sessão espírita do seu lado ou do meu. Estou morto e posso narrar o que eu passei e estou passando. Há quem diga que a vida não é fácil... Estes não sabem o que é a morte!
Deixemos as explicações de lado e voltemos aos meus últimos momentos. Momentos que carrego bem vivos comigo mesmo eu não estando vivo.
Após tomar todos os remédios que me eram impostos antes de dormir, fiz minhas orações como sempre, mas naquela noite havia algo diferente. Uma paz imensa inundava minha alma. Respirava melhor e consegui deitar-me e cobrir-me sem a ajuda de Cecília. Ela ficou surpresa e feliz por isso. Deitou-se ao meu lado e olhou bem no fundo dos meus olhos. Silêncio.
Quis não existir naquele momento. A lágrima que desceu pelo rosto de minha esposa era cristalina e pura como o sentimento dela por mim. Eu a fazia sofrer naquele momento e não gosto de pensar nisso até hoje. O coração acelerado estando ali diante do meu anjo terreno por 25 anos. Pouco tempo. Queria mais. Toquei seus cabelos e repeti a frase que sempre nos dissemos depois de nos casarmos: “Um dia dormiste com os anjos e sonhaste comigo; hoje, sonhas com os anjos e dormes comigo”.
O sono veio logo em seguida.
Adormeci segurando sua mão.
E morri ainda sentindo o calor de seus dedos.

Nenhum comentário: