20 junho 2007

Pela manhã

A maratona mais cansativa é velar um defunto e posso atestar a veracidade dessa afirmação.
Madrugada terminando para os primeiros raios do sol de inverno aparecerem e já levaram-me para o velório.
A única visão que eu tinha de dentro do caixão era a parte de cima. Não havia como olhar para os lados. Quantas flores me rodeavam, não pude ver totalmente o que estava acontecendo. Vez ou outra vultos passavam rápido pela beirada, conversas baixas, suspiros, choro quase imperceptível e aquele "fungar" de narizes.
Cecília estava ali, sentada ao meu lado. Só podia ouvi-la e ver sua mão tocar a minha. Contava sobre a noite anterior. Como eu estava tranqüilo e calmo e como ela sentia minha falta. Mas eu ainda estava ali.
Beatriz estava do outro lado. Pude vê-la quando ficou de pé a me olhar profundamente. Não dizia uma só palavra, mas seu rosto estava duro e parecia que estava sozinha a contemplar minha morte.
Pela conversa entre Lucas e Ana soube que minha mãe esteve no velório e Letícia a levou para casa. As gêmeas foram com ela.
De repente meus cunhados estavam ao meu lado. Estranha a forma como olhavam para mim. Não entendi muito bem no momento até que Rogério fez um comentário inusitado: “E agora? Quem vai cuidar das coisas por lá?” “Talvez o Lucas, mas ele é inexperiente!” – Grandes homens, Rogério e Leandro. Dois grandes urubus rondando uma carniça que ainda nem tinha esfriado direito.
Fui uma pessoa que batalhou muito para conseguir dar conforto para a família, mas não poderiam dizer que eu escondia ouro num baú. Pela lógica meu filho Lucas saberia o que fazer com o que nossa família possuía, até mesmo porque Cecília ainda estava entre eles.
De qualquer forma, os dois cunhados fazem jus ao parentesco que me oferecem. Pena de minhas irmãs. Mas olho apenas pela minha ótica. Devo respeitar a deles.
Ainda não havia localizado Marcelo. Porém, Beatriz ainda estava ali. Duas senhoras chegaram até ela e a princípio não as reconheci. Mas depois que fizeram a volta e foram até Cecília é que lembrei-me das duas. Tia Sofia e Tia Marlene, irmãs de meu pai. Simpáticas senhoras tradicionais conservadoras da cidade. Ambas viúvas e dedicadas à Igreja Católica, já logo informaram que o padre faria a encomendação. (?)
Não consegui gargalhar, mas a vontade foi essa. Encomendar o que? “Deus, estou mandando seu filho Maurício. Cuidado, ele é manso, mas não o deixe nervoso!”
Caros amigos viventes, narrar meu velório, por mais que pareça cansativo, foi uma experiência interessante. Portanto, não posso relatar tudo numa postagem única. As cenas foram se formando e a ambição de meus cunhados era apenas o começo de minhas surpresas.

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